terça-feira, 20 de setembro de 2011

Tantas mulheres


Marilurdes Martins Campezi
                                                  
Que ânsia essa no coração de Teresa? Quem é a mulher que ali habita? Ela se percebe como muitas e, ao mesmo tempo, única!

Teresa busca dentro de si a definição do ser, o sentido de sua alma feminina, mas não encontra resposta satisfatória. Encontra personagens que se destacam durante sua caminhada: a mãe em desvelo, a esposa prestativa, a profissional responsável, a amiga presente, a católica praticante, a... E não se realiza. Sente-se uma mulher indefinida entre as outras mulheres que convivem no mais profundo de si.

Deixa de lado o crochê que tece para a blusa da filha. Vai até a cozinha, destampa as panelas, verifica o sabor do cozido na palma da mão. O dia promete ser angustiante. Seu pequeno corpo parece não suportar todas as mulheres que ele tenta proteger. Ela tem a impressão de que todas desejam escapar dali, ganhar mundo, cada qual rumo ao seu destino. Teresa diz para si mesma que, se isso fosse possível, não haveria lugar para tantas teresas.

Essa idéia sobre seu plural há muito lhe domina o pensamento. Mas o pior acontece agora, quando não consegue mantê-las em silêncio, inertes na convivência pacífica de todos os dias: a profissional cultiva um sentimento de culpa diante da mãe ausente; a amante frustra-se pelo desejo extinto da esposa; a religiosa escandaliza-se diante da razão, pondo a fé em xeque; a boazinha sente remorso pela hipocrisia com que ouve os queixumes das amigas. A pluralidade vive dentro dela, antônimos apalermados pela insensatez daquela alma feminina. Quando nascera, pensa ela, por certo alguém exclamou:” é uma menina!”, selando para sempre um destino que nada teve de singular.  

Teresa levanta-se do sofá, onde voltara a se sentar, livra-se da novela e do novelo. Atravessa sala e corredor, fechando-se em seu quarto, tentando aprisionar nele todas aquelas mulheres que parecem aguardar o momento da fuga de uma prisão tão minúscula.

“Quando será tal momento?” pergunta-se. E fixa o olhar no portarretratos que mostra sua foto aos vinte anos. Coloca-se, então, de frente para o grande espelho na parede. Ouve o silêncio. Ninguém mais em casa, só ela... só elas...só. Chega-se aos poucos, como se tivesse medo, ao vidro que a reflete, tocando nele a sua cara, fixando olhos nos olhos, deixando-os se encontrarem lá no fundo. O que vê a espanta: no poço escuro, todas as teresas estão de braços estendidos, como a pedirem socorro para saírem daquela clausura. Em vez disso, Teresa joga-se, mergulha, precisa chegar lá onde estão todas as outras e conhecê-las, uma a uma, abraçá-las, perguntar-lhes por que tanta separação. E as teresas rodopiam a sua volta, intocáveis, sem permitirem o abraço, até que se fundem numa só Teresa, espantada, trêmula. O corpo está lasso, mas heroicamente contém a fuga de todas as mulheres que ali se abrigam.

      -    Quem é essa Teresa?
A mulher que conseguira penetrar seu próprio mundo ouve a pergunta e, aos poucos reconhece a voz de seu analista.
-          Nunca vou saber, responde, mas estou certa de que minha alma de mulher é tão vasta e perfeita que nela posso abrigar todas as mulheres do mundo.
-          Está bem Teresa. Pode abrir os olhos. A sessão já terminou. Está de alta.

Marilurdes Martins Campezi é escritora, membro da União Brasileira de Escritores e da Academia Araçatubense de Letras.

Nenhum comentário:

Postar um comentário