terça-feira, 5 de julho de 2011

POEMAS DE COPO NA MÃO

Hélio Consolaro
 

Conheci Luana Vignon ainda menina, mocinha, menina- moça, numa sala de aula do ensino médio. Aquela garota silenciosa se diferenciava do grupo nas aulas de Literatura. Para questionar, me chamava à carteira, para que não houvesse escândalo. Naquela época, usava um par de óculos de quem não valoriza a vaidade. Sua beleza superava aquela cangalha no nariz. Uma morena com sobrenome estrangeiro.

Por meu convite, começou a frequentar o Grupo Experimental da Academia Araçatubense de Letras. E por lá ficou alguns anos, lendo seus textos vanguardistas aos demais escritores. De repente, voou para São Paulo, a vida provinciana não lhe satisfazia mais.

Trocamos alguns e-mails. Mensagens pelo MSN. E o silêncio de algum tempo depois se rompeu, quando me disse que queria lançar seu livro em Araçatuba: “Os tiros vêm do paraíso”, que me foi mandado pelo correio.
 
O produtor cultural Antônio Carlos Nicolau cuidou do lançamento do livro em Araçatuba, assim fizemos uma parceria para que a Luana ficasse contente com a noite de autógrafo. Infelizmente, apareceram poucas pessoas. Há gente que grita por cultura em Araçatuba, mas só frequentam grandes espetáculos, não prestigiam os artistas locais.
 
Os tiros vêm do paraíso” é fininho, tem 40 páginas. Em 2000, fiquei incomodado com o meu livro de poemas “Urubu branco”, porque ele não parava de pé, mas o primeiro livro de Carlos Drummond de Andrade, “Alguma poesia”, era raquítico também, 30 poemas. Tanto que nunca é publicado sozinho, vem sempre acoplado a outro livro do poeta. Nem por isso, é um livro menor de sua produção literária.
 
O título do livro de Luana Vignon revela um paradoxo, porque do paraíso só esperamos prazeres. E é de lá que vêm os tiros. Façamos um paralelo para entender melhor: Estados Unidos é um paraíso para muita gente, o lugar sonhado, mas as guerras atuais nascem, todas, por decisões norte-americanas: “Os tiros vêm do paraíso”.
 
Eu li o livro por duas vezes. A primeira, com um copo de Campari de lado, descontraído, com as portas da alma abertas. A outra, tomando café “capuccino”, num dia fresco. Gostei de mergulhar as palavras no copo, pois os poemas de Luana andaram bebendo.
 
Senti nos poemas dela um pouco dos meus, quando na juventude eu tinha ócio para poetar. Época em que nos sentimos maior que o mundo. Agora, sou um cachorro molambento vagando pelas ruas.
 
O prefácio de Marcelo Montenegro afirma que os versos de Luana desorganizam a orquestra do comedimento. Não há fórmula nestes tiros que vêm do paraíso. Há vida, sem polimentos, “sorvete de uva pingando na barra do uniforme” – e dor.
 
E recomenda o prefaciador: “Bote este livro na vitrola. A Luana é uma espécie de Ângela Rô Rô, de ‘scat singer’ da poesia. Que sabe que ‘os piratas nunca dormem’ e que o vinho sempre acaba antes da sede. Por isso ‘faz tanto silêncio dentro do seu berro’”
 
Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Membro da Academia Araçatubense de Letras, da UBE e da Cia. dos Blogueiros. Atualmente é secretário da Cultura de Araçatuba.

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