sábado, 9 de julho de 2011

Dois palmeirenses em papo sério

Hélio Consolaro


Assisti ontem a uma conferência muito boa, a relação da religião com a ciência, e vice-versa. Parece um tema ultrapassado neste século 21, porém, muito pertinente aos avanços da neurociência, campo de pesquisa de Miguel Nicolelis. 

O outro palmeirense era Luís Felipe Pondé que abordou o tema  "o humano além do humano". Pelo  menos os dois tinham um ponto em comum, desde o início da conferência, torcem pelo Palmeiras. Como palmeirense, fiquei orgulhoso disso. Percebi que na tribo verde há gente muito inteligente. Nicolelis, candidato forte ao prêmio Nobel, disse que troca esse grandioso prêmio pelo  hexa da Copa do  Mundo.

Como  descendente de italiano, mostrou que é um tremendo gozador, deve ser a atração de qualquer roda de conversa. Ficou muito emocionado, quando disse que seu sonho é sua pesquisa poder proporcionar a uma criança brasileira, tetraplégica, a dar o chute inicial na Copa de 2014.  Biografia de  Miguel Nicolelis

Miguel Nicolelis nasceu em São Paulo, em 1961. É médico neurocientista, professor titular de neurobiologia e engenharia biomédica e codiretor do Centro de Neuroengenharia da Duke University. Seu trabalho com próteses neurais integra a lista das “10 tecnologias que vão mudar o mundo”, segundo o MIT (Massachusetts Institute of Technology). Foi considerado pela revista Scientific American um dos vinte maiores cientistas do mundo no começo da década passada. Nicolelis também concebeu e lidera o projeto do Instituto Internacional de Neurociências de Natal, na capital do Rio Grande do Norte.

Biografia de Luís Felipe Pondé

 
Luiz Felipe Pondé é filósofo, doutor pela Universidade de São Paulo e Université de Paris VIII e professor do Programa de Estudos Pós-graduados em Ciências da Religião da PUC-SP.

Santos Dumont e o exoesqueleto


A voz do neurocientista Miguel Nicolelis ficou embargada no final de sua apresentação nesta Flip 2011, quando anunciou que o primeiro exoesqueleto robótico será usado pela primeira vez no país do futebol, no jogo de abertura da Copa de 2014, por uma criança brasileira tetraplégica, que vai dar o pontapé inicial da partida. Essa prótese de corpo inteiro, capaz de obedecer comandos enviados diretamente pelo cérebro de um primata, está em desenvolvimento pelo consórcio do projeto Walk Again (volte a andar), que envolve universidades e centros de pesquisa do mundo inteiro sob a supervisão do Centro de Neuroengenharia da Universidade Duke, nos Estados Unidos, que é dirigido por Nicolelis.  Também integra o consórcio o Instituto Internacional de Neurociências de Natal (IINN), outra ideia de Nicolelis que vingou.



No fundo, o brasileiro parece com seu herói, Santos Dumont, que prometeu voar – e voou. “O sonho em Natal é que os voos de muitos Santos Dumont sejam feitos por aqui, sob a luz do Cruzeiro do Sul”, disse Nicolelis, que acaba de lançar no Brasil o livroMuito além do nosso eu. Nele, explica para leigos, sem perder em profundidade, a pesquisa e o desenvolvimento de interfaces homem-máquina como o exoesqueleto em questão. Na noite desta quinta-feira (7), na Tenda dos Autores, ele foi além: mostrou a imagem de um pensamento primata (fotografia do movimento dos neurônios de um macaco no momento em que ele comanda seu braço para pegar um objeto). “A tempestade cerebral existe mesmo e o som é este”, explicou, enquanto aumentava o volume de um som de rádio AM fora de sintonia, registro sonoro do ruído produzido pelos neurônios do macaco durante o gesto. “Tudo que definimos como natureza humana se resume a tempestades como esta – gestos, emoções, angústias, ideias, medos, vontades, tudo se traduz num som como este. E este é o som de apenas cem neurônios.” As experiências com macacos em Durham, na Carolina do Norte, sede da Universidade Duke, permitiram que um deles movimentasse um robô em Kyoto, no Japão. Surpresa: o exoesqueleto moveu-se 20 milissegundos mais rápido do que o macaco cujo cérebro gerou o movimento. “Imaginem um mundo em que a atividade do cérebro possa agir em todo o universo, controlado por nossa consciência e recebendo sensações de volta”, disse Nicolelis. De fato, uma das experiências com os macacos consiste em fazê-los mover um braço virtual numa tela de computador. Esse braço deve tocar três círculos idênticos, mas de textura diferente, não visível. Mas a mão virtual “sente” a diferença e envia um sinal ao cérebro do macaco que, então, com essa informação, escolhe o círculo certo e ganha o seu prêmio – suco de laranja. A idéia do exoesqueleto a ser “inaugurado” no Brasil em 2014 resulta desse tipo de experiência e leva em consideração o fato de que “o cérebro de um paralítico continua a imaginar ações que seu corpo já não pode executar”. Seriam estas as demonstrações científicas da validade de propostas como a do futurista estadunidense Raymond Kurtzweil e seus célebres livros The Age of Intelligent Machines (1990) e The Age of Spiritual Machines (1998)? Absolutamente não. “Essas ideias, que se tornam cada vez mais populares nos Estados Unidos, não são científicas”, garante Nicolelis. “É absolutamente impossível computar emoções humanas, por exemplo, e não há o menor risco de que um computador baseado na máquina de Turing – como todos os que existem hoje – venha a superar a inteligência humana. É apenas uma visão ideológica, não científica.” A vã filosofia Sob o tema “o humano além do humano”, esta última mesa do dia foi mediada pela jornalista Laura Greenhalgh, editora de Cultura do jornal O Estado de S. Paulo, e tinha como contraponto a Nicolelis o filósofo da religião Luiz Felipe Pondé, colunista daFolha de S. Paulo. Pondé iniciou suas considerações com uma descrição detalhada do último filme de Lars von Trier, Melancolia, seguida por algumas ideias sobre como se cruzam os caminhos da ciência e da religião. “Se Deus fracassa, a ciência resolve”, explicou, em um dos múltiplos aforismos com que brindou a plateia. Citou Platão e sua república utópica, Chesterton e suas advertências aos ateus, Nietzsche e seu niilismo, Dostoiévski e Prometeu. Espargiu metodicamente as frases com que seduz seus leitores na Folha – “o ser humano mata porque gosta”, “o que torna humano o ser humano é seu sofrimento”, “cérebros podem ser enormes máquinas de produção de uma certeza monstruosa” – e acabou por épater les bourgeois com uma longa digressão sobre o valor da eugenia, que seria, a seu ver, “parte integral da matriz científica ocidental”. “Somos todos eugenistas, todos queremos um ser humano melhor, mais saudável, mais bonito, mais inteligente e que sofra menos”, ponderou. Numa reflexão mais próxima das questões em debate no palco, parece ter sugerido que o exposto por Nicolelis dava-lhe a ideia de “uma nave espacial na velocidade da luz, desembestada em direção ao vazio do universo”, embora se tenha apressado a esclarecer que “isso não significa que ela deva parar”. Por fim, disse que “o que humaniza o ser humano é o fracasso”, provavelmente sem se dar conta de que a assertiva reduziria Nicolelis à categoria de um ser humano desumano. Este, que ouviu pacientemente as ponderações do filósofo, reservou para o final um discreto e pungente comentário. Em resposta ao pedido de um espectador para que descrevesse o projeto educacional em curso no IINN, em Natal, explicou que ali há comunicação entre neurocientistas, que estudam o cérebro, e pedagogos, que pretendem ensinar novas coisas ao cérebro. “É o casamento, agora legalizado pelo Supremo, entre Paulo Freire e Santos Dumont”, brincou. Afinal, o cérebro de nossas crianças é bem diferente do nosso, explicou. “As novas gerações são mais proficientes que as anteriores e a escola não se adaptou. Se os pais de Santos Dumont insistissem no seu sucesso escolar e menosprezassem seu interesse por voar, ele desistiria e acabaria em alguma faculdade de filosofia...”

Hélio Consolaro é jornalista e escritor, membro da UBE, Núcleo Araçatuba e região.

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